..." Entregámo-nos. A minha mãe e a Isabelinha tremiam de medo, coitadinhas, e eu tentei dar-lhes segurança, ocultando os meus próprios receios. Aproximámo-nos dos nangalas e vi que eram homens do Kopassus e de vários batalhoes, e incluíam algumas tropas irregulares timorenses. Eles mantiveram as armas apontadas ao nosso grupo, formado por umas quinhentas pessoas, e conduziram-nos em direcção à ribeira Be Tuku, ali perto. Quando chegámos à margem da ribeira, os nangalas pararam e apontaram-nos as armas. De um lado estavam centenas de nangalas, atrás de nós encontrava-se a ribeira. Eu tinha a mão dada à minha mãe e à Isabelinha e percebemos que tínhamos chegado ao fim da linha. Abraçámo-nos com muita força, elas a chorar, eu a beijá-las e atentar sossegá-las, mas sentia o coração aos pulos, sabia que íamos todos morrer.
Os nangalas abriram fogo de metralhadora sobre nós. Ouvimos o matraquear ensurdecedor à nossa volta, a Isabelinha gritou "pai!" e escondeu a cabeça no meu peito, vi pessoas a cair, à frente, à esquerda, à direita, balas a zumbir por todo o lado, a àgua do rio a ficar vermelha. A minha mãe foi atingida e embateu brutalmente em mim.
...
Fez-se um súbito silêncio.
...
A Isabelinha tremia encostada a mim e isso deve ter despertado a atenção de um nangala. O homem aproximou-se e encostou a M16 à Isabelinha. Entrei em pânico. Percebi que a iam executar e não me contive. Gritei "tolong" em bahasa indonésio e ajoelhei-me aos pés do nangala, pedindo misericórdia. O soldado riu-se.
...
O capitão insistiu que precisava de uma prova da minha lealdade para com a Indonésia. Fiquei a olhar para ele, sem perceber bem que prova lhe poderia dar.
...
Foi nesse momento que ele me disse que matasse a Isabelinha. Pensei que tinha ouvido mal, de tal modo era monstruoso o que ele acabara de dizer, e pedi-lhe que repetisse.
...
"Mas, meu capitão, não sou capaz de fazer isso." Ele aproximou-se e apontou a arma à cabeça da Isabelinha. "Ouve estúpido timorense, ouve bem. A tua filha está morta. Cabe-te a ti escolher como. Ou a matas tu com um tiro de misericórdia, ou entrego-a eu aos meus homens e, depois de eles se satisfazerem à tua frente, ela será morta... Ela vai ser violada por vários homens à tua frente e depois será cortada aos bocados com uma catana. A seguir será a tua vez.
...
Foi então que Isabelinha, Deus é minha testemunha, me disse: "Pai, mata-me tu, por favor, mata-me tu!".
Esta passagem é do livro A ilha das Trevas de José Rodrigues dos Santos. Nela podemos ver o que muitos timorenses passaram nas mãos das tropas indonésias. Este livro relata esse período negro de Timor, as violações dos direitos humanos, os monstros que os seres humanos se podem tornar, a aflição de um povo que nada fez para merecer tal sofrimento, a luta e a fé constante das pessoas pela paz e pela independência... É um bom livro para aprendermos mais. Para constatarmos de quão cruel o ser humano pode ser e do sofrimento por que algumas pessoas passam e que nós nem temos consciência. O Homem é muito cruel! O Mundo poderia ser perfeito, bastava o Homem querer!
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