quarta-feira, 24 de março de 2010

Relato em primeira pessoa de um retiro espiritual de apenas 30 minutos no deserto da Judeia

"E estava eu ali, totalmente entregue a mim mesma. Na ausência de tudo, nas profundezas do nada...
Que ironia, obrigada pelo silêncio do mundo a olhar bem cá para dentro. Eu não queria, debatia-me, gritava comigo mesma, numa tentativa de não ter que pensar, de não ter que parar, de não ter que chorar...
Mas o silêncio do mundo era mais forte, o sopro de uma brisa gelada gritava mais forte, dizendo: Pára! Pára! Ouve os batimentos do teu coração, rende-te ao vazio e olha sobre ti própria...
Pára! Pára!
E subtilmente, a razão foi deixando de prevalecer...
Muito baixinho o coração de pedra, outrora silencioso, começou lentamente a deixar-se ouvir... E suavemente a minha própria vida começou a passar-me pela frente. Tudo o que eu não queria, todas as fragilidades, todas as falhas, todos os exageros, todas as faltas. E estava eu ali, no silêncio do mundo, obrigada a olhar para dentro, a imaginar quarenta dias e quarenta noites numa aridez profunda.
Como percebia a razão desse primeiro retiro de Jesus, da sua necessidade de Se isolar para poder crescer... esse "primeiro" retiro que veio ensinar ao Homem e à Igreja a necessidade de parar para purificar, para repensar a vida toda.
Foi então que percebi como andava cansada, mal disposta, insuportável. Há dias, há semanas, talvez até há meses. E nem sequer tinha dado conta...
Como pode o Homem regredir desta maneira?
Com tamanha evolução que testemunhamos ao longo dos tempos e na fúria da vida, do quotidiano, transformamo-nos em autênticos animais, regredimos...
Não pensamos, não sentimos, não rezamos, não amamos.
Deixamos que a beleza da vida nos passe ao lado, porque estamos distraídos com o desenrolar dos dias que não têm fim.
Pecamos e nem temos tempo para pensar o que fizemos.
Como podemos sequer ponderar um arrependimento?!
Se Jesus precisou de quarenta dias e quarenta noites, eu precisaria talvez de trezentos e sessenta e cinco dias e outras tantas noites para pôr a vida em ordem...
Mas não sendo possível, experimentei trinta e poucos minutos que me valeram uma quase-salvação.
E tu? Já olhaste para ti?
Pára! Pára!"

Raquel Abecassis



Acho que não preciso de dizer nada! Isto é algo que estou a precisar de fazer neste momento!

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